22 maio, 2014

Skinner e a vida científica

Estou encantada com uma tese, que tem um tom de romance, de Robson Nascimento da Cruz - UFMG, "B.F. Skinner e a vida científica: uma história da organização social da análise do comportamento". Me deterei neste post a comentar o capítulo três desta obra, que será lida por todos os meus alunos interessados em Skinner e na análise do comportamento um dia. Em alguns trechos reporto ao texto original de Robson e em outros faço um resumo próprio. O texto está incrivelmente bem escrito e consegue ser cientifico e poético ao mesmo tempo. Brilhante trabalho.  

O capítulo 3 do romance, ops tese, que traz o título "“DESCONHECIMENTO” E LIBERDADE: O PERCURSO INICIAL DE SKINNER EM HARVARD" e o  prefácio...

Eu trabalhei inteiramente sem supervisão. Ninguém sabia
o que eu estava fazendo até que eu entregasse algum tipo
de relatório contestável. Possivelmente os psicólogos
pensaram que eu estava sendo orientado por Crozier e
Hoagland, e eles podem ter pensado que alguém na
psicologia estava de olho em mim, mas o fato é que eu
estava fazendo exatamente o que me satisfazia. (Skinner,
1979, p.35).

...faz uma análise histórica institucional e social do início da carreira acadêmica de Skinner e sua escolha pela psicologia. Ao ler este depoimento de Skinner sem saber do que se tratava imaginei algo do tipo: em Harvard existia os mesmos problemas que enfrentei: professores ausentes, faltosos, aluno sem supervisão, mas se o Skinner tornou-se quem é, tá tranquilo, não é um bicho de sete cabeças".

Skinner terminou sua graduação no Hamilton College em 1926,  com um enfoque grande em literatura e em língua inglesa, contudo vivenciou uma tentativa frustada de se tornar um escritor além de ficar bastante indeciso em qual área se dedicaria no doutorado - período descrito por Skinner como dark year.  Mas, mesmo com esta frustração na literatura, Skinner não desprezou por completo sua primeira paixão, revelou que seu vínculo com a literatura lhe forneceu um primeiro método de investigação do comportamento. Como? Sua curiosidade sobre os efeitos psicológicos da literatura nos leitores, e o perfil psicológico dos autores, que, para Skinner, revelam-se em suas obras.  

No período de indecisão, Skinner - como todo aluno - recorre a um professor de confiança da época da graduação, no caso de Skinner, o professor Bugsy Morril, que lhe indicou Universidade de Harvard, Morril sugeriu a Skinner à leitura de dois livros que despertaram sua atenção imediata – Conditioned Reflex: an Investigation of the Physiological Activity of the Cerebral Cortex (1927), de Ivan P. Pavlov, e Physiology of the Brain and Comparative Psychology (1900), de Jacques Loeb. E assim Skinner aproximou-se no comportamento como objeto de estudo, neste momento inicial, o comportamento reflexo.

Skinner escolhe a pós-graduação em Psicologia na Universidade de Harvard, que para seu azar (ou não) enfrentava um período de crise no departamento de psicologia, afinal, era um período pós-guerra e havia uma exigência de pesquisas aplicadas no ar e no bolso dos investidores, e o atual chefe do departamento Edwin G. Boring, era um discípulo do proeminente líder do estruturalismo inglês, Edward B. Titchener, que, no início dos anos 1920, defendia de maneira radical pesquisas puras no ambiente acadêmico e atacou a intensa convergência ao ideal social de serviço e eficiência gerado pelas demandas do pós-guerra. 

Eu que imaginava que a vida acadêmica de Skinner havia iniciado cheia de glamour, na verdade, principiou em ambiente institucional precário. 

E lá foi Skinner, com livros e canetas na mão, para sua primeira disciplina do doutorado: psicologia do indivíduo, ministrada por Henry Murray, como diz Cruz em sua tese: "avaliada por Skinner como insuficiente “para meu gosto” (1979, p. 27). Primeiro, porque Murray utilizou uma abordagem freudiana e junguiana para analisar fobias. E, em segundo lugar, porque além de desaprovar as abordagens adotadas, Skinner censurava, sobretudo, o teor literário das análises de Murray; não porque reprovasse esse tipo de recurso – algo que ele utilizou com frequência em diferentes momentos de sua carreira –, mas porque estava no ápice de sua resistência e revolta contra a literatura (Coleman, 1985, Skinner, 1979, 1984a)."
Skinner #chateado


Em outra disciplina, psicologia clínica, o desgosto de Skinner pela psicologia em Harvard foi reafirmado não obstante ele alegasse que sua experiência de vida havia propiciado certa inclinação para o trabalho clínico (Skinner, 1979). E, mais uma disciplina e Skinner quase chuta o balde, Psicologia experimental: laboratório quantitativo, ministrada por Carrot Pratt, Skinner. 


"Para Skinner, assim como as demais disciplinas de psicologia, essa não tratava de “um tópico impactante, e nós não éramos encorajados a acreditar que fosse” (1979, p. 8)", (Cruz, 2012, p. 74).

E assim Skinner foi caminhando em seu doutorado em Psicologia, declarando não conhecer a psicologia, há relatos seus que afirmam que teve contato máximo formal de 10 minutos de psicologia durante a graduação, contudo, esse desconhecer a psicologia parece, também, estar relacionado ao desprezo pelo conhecimento da psicologia. Sabe-se-lá-porque! 

Enfim, Skinner conheceu um veterano - Keller - que participava de um grupo de pesquisa sobre Behaviorismo e foi lá que Skinner se encontrou. Como diz Cruz: "Mesmo breve, uma descrição do primeiro contato entre Skinner e Keller se faz necessária para situar aquilo que interpretamos, de modo retrospectivo, como o protótipo da análise do comportamento como empreendimento comunitário na ciência que se desenvolverá a partir da década de 1940. Esse contato assinala ao mesmo tempo a emergência e o valor de outro fenômeno social recorrente nas relações sociais de Skinner, no âmbito científico, e na organização social da análise do comportamento: a informalidade."

Em meio a todo esse cenário desfavorável para a criação da ciência do comportamento que estava por vir, Skinner aproxima-se do departamento de fisiologia, apreço pela ciência ali praticada e a constatação de uma ambiente institucional com privilégios ausentes no departamento de psicologia, foram razões para tanto, como afirma Cruz (2013). 

O departamento de fisiologia de Harvard foi instituído por meio de uma subdivisão do departamento de biologia, sendo coordenado, desde 1925, por William J. Crozier. Discípulo do fisiologista Jacques Loeb (lembram dele?), pois é, e neste novo departamento, Skinner sentiu-se, pela primeira vez no doutorado (é o que eu penso) feliz em pertencer a um departamento. 

Crozier foi um chefe de departamento ideal: procurava valorizar jovens pesquisadores, estimulava bom clima de trabalho e permitia que seus alunos trabalhassem a vontade, sobre o que quisessem estudar, sem obrigação de seguir a linha de pesquisa do professor - realidade diferente de alguns dos nossos professores. Skinner estava feliz ou não nesta condição? E, claro que Skinner transferiu-se para o departamento de fisiologia, e ainda conseguiu manter-se no departamento de psicologia e defender sua tese por este departamento.

Skinner então realizou sua primeira disciplina,  Fisiologia geral 5, em tom de entusiasmo, Skinner asseverou: “Este era exatamente o curso que eu estava procurando”. (Skinner, 1979, p. 17). O motivo para isso foi que, na disciplina lecionada pelo principal apoiador de Crozier, professor Hudson Hoagland, Skinner se sentiu aliviado, assim como admirado por, finalmente, alguém em Harvard discutir o conceito de reflexo condicionado. Então, foi ai que me lembrei do prefácio e conclui outra realidade:  

Eu trabalhei inteiramente sem supervisão. Ninguém sabia
o que eu estava fazendo até que eu entregasse algum tipo
de relatório contestável. Possivelmente os psicólogos
pensaram que eu estava sendo orientado por Crozier e
Hoagland, e eles podem ter pensado que alguém na
psicologia estava de olho em mim, mas o fato é que eu
estava fazendo exatamente o que me satisfazia. (Skinner,
1979, p.35).

Skinner estava, na verdade, no paraíso científico. Com total liberdade para criar, pensar e ser cientista. A liberdade foi tamanha, que Skinner em dois anos, desenvolveu oito (8 - oito) projetos científicos, e alguns simultaneamente. Skinner fez uma declaração linda sobre Croizer: “ele apoiou-me, ele me deu espaço, ele me deu dinheiro, ele me promoveu a bolsista e assim por diante, mas ele nunca disse uma vez ‘olha, porque você não faz algo com coeficiente de temperatura ou algo desta maneira’” (Skinner, citado por Bjork, 1993/2006, p. 85).

Skinner descreveu outra dimensão benéfica para ele da vinculação a Crozier: o desprendimento desse cientista com respeito ao crédito científico. Esse um atributo obviamente admirado por um jovem pesquisador com planos ambiciosos e precoces de se tornar referência em seu campo de conhecimento. Acerca da inexistência de obrigação de seguir métodos e teorias e da abnegação de Crozier por créditos científicos, Skinner salientou: Crozier nunca tentou me aproximar do seu campo, nem nunca levou crédito por alguma coisa que fiz. Quando levei a ele o manuscrito do meu primeiro trabalho como um membro do seu departamento, ele viu o reconhecimento padrão no pé da primeira página (“O autor deseja agradecer ao Professor W. J. Crozier por seu apoio e conselho…”). Ele pegou um lápis azul e riscou o agradecimento. “Nós não recebemos homenagem,” ele disse (Skinner, 1979, p. 100). Chorei rsrs. 

Skinner, defende sua tese em 1931,e adivinhem quem avaliou seu trabalho? Boring, o chefe de departamento de psicologia, e ao ler a revolução no conceito de reflexo que Skinner propôs resolveu reprová-lo (PASMEM) classificando-a como uma história do reflexo seletiva e tendenciosa, pois empreendida de modo a sustentar um pedante projeto de ciência do comportamento (Coleman, 1985; Skinner, 1979). 

Como Cruz descreve: "Como membro da banca avaliadora da tese de Skinner, Boring exigiu alterações de modo que o conceito de reflexo fosse utilizado de forma menos pretensiosa. Skinner, todavia, não acatou nenhum das sugestões descritas nas cinco páginas de revisão crítica de Boring (Skinner, 1979). Sua justificativa para tanto foi que os demais leitores, membros do departamento de fisiologia, haviam dado retornos favoráveis à tese. Por causa disso, educadamente, Boring se retirou do comitê avaliador da tese de Skinner e solicitou a indicação de outro membro do departamento para substituí-lo (Skinner, 1979; Wiener, 1996).

#tenso

Ao concluir o doutorado, é claro que Skinner ficou disputadíssimo em muitos programas de pós-graduação. Prova disso é que logo após a aprovação de sua tese Skinner recebeu oferta de uma bolsa de pós-doutorado oferecida por Boring (é! ele mesmo! desdenhou e agora quer comprar, né? rsrs). Todavia, essa bolsa foi recusada, porque Skinner já havia sido selecionado pelo National Research Council Fellowship, também com o apoio de Boring, que elaborou uma carta de recomendação (Skinner, 1979; Coleman, 1985).

Após completar todos os requerimentos para obtenção do grau de doutor, com a recomendação de Crozier e Boring, Skinner apresentou à Universidade de Harvard um pedido de bolsa de pós-doutorado para continuar suas pesquisas no laboratório de fisiologia. A bolsa concedida pelo National Research Council Fellowship, para 1931, teve renovações para os anos de 1932 e 1933 (Skinner, 1979; Bjork, 1993/2006). A aprovação do financiamento denota o prestígio científico de Skinner em Harvard como um jovem e promissor cientista, mas, no campo psicológico, não corresponde à concordância com suas pretensões em formular uma ciência do comportamento.

E agora um dos momentos mais lindo ao ler a deliciosa tese de Cruz (2013): "O então chefe de departamento de psicologia de Harvard descreveu Skinner como um pesquisador treinado para a realização de pesquisas sobre comportamento animal. Igualmente, exaltou as aptidões de Skinner e alegou ser esse um estudante original e capaz de grandes realizações científicas. Nas palavras de Boring: “Ele tem um entusiasmo febril e efervescente. Nós pensamos nele aqui como um possível "gênio", usando essa palavra para representar esta imagem”. (Boring, 1930, citado por Bjork, 1993/2006, p. 101). Na carta, Boring, entretanto, alertou sobre o que pensava ser o único, mas sério defeito de Skinner: seu desejo de fundar uma ciência do comportamento. (tá de brincadeira Boring?). Esse desejo científico e epistemológico, na percepção de Boring, estava fora do campo de treinamento daquele jovem cientista. Boring, então, recomendou a aceitação da proposta de financiamento das pesquisas de pós-doutorado de Skinner como forma de suprimir as ambições desse. “Eu espero que ele possa ter a bolsa porque isso iria direcionar sua energia para longe daquele tipo de entusiasmo”. (Boring, 1930 citado por Bjork, 1993/2006, p.101)."

A manutenção do reconhecimento da figura científica de Skinner é observada quando, ao término de sua última bolsa de pós-doutorado, em março de 1933, ele foi selecionado para ser membro da recém-criada Harvard Society of Fellows e se tornou um prestigiado Junior Fellowship, entre os anos de 1933 e 1936. Além de representar a ampliação do prestígio de Skinner em Harvard, sua admissão nessa sociedade o posicionou na elite acadêmica da universidade, ao torná-lo membro de um seleto grupo de estudantes (Bjork, 1993/2006).

O valor de tal acontecimento na carreira de Skinner é expresso em sua autobiografia de modo semelhante aquilo que Denzin (1989) designa como a narração de momentos desencadeadores de expressivas mudanças no rumo de uma vida. Esse aspecto é percebido no tom dramático conferido por Skinner (1979) ao afirmar que, ao ser aceito naquela sociedade, “Eu não estava apenas sendo resgatado de um desastre, eu me encontrei com o que foi naquele tempo o mais generoso suporte que um acadêmico poderia querer”. (Skinner, 1979, p. 123).

Foi ou não foi um romance lindo?