09 janeiro, 2013

Você tem paciência comigo?

Quero fazer um relato, uma história de quase um ano de ensino e de aprendizagem.
É a história de Ana.

Ana, uma senhora negra, nordestina do Maranhão, nascida em 27 de junho de 167, hoje 45 anos, estudou até o ensino fundamental, e trabalhou por muito tempo como empregada doméstica.
Certa vez, contou Ana, estava dormindo em sua rede, sentindo-se muito mal com febre interna muito alta, adormeceu, e quando acordou, estava surda do ouvido direito, mal conseguia levantar, ficou perturbada  gritou por ajuda, o marido correu para acudi-la, mas já estava surda. Ainda assim, Ana foi trabalhar e lá, sua patroa percebeu a dificuldade de Ana ao ouvir o telefone, a campainha, seus chamados e não deu outra, foi despedida.
O marido juntou todo o dinheiro do mês, a família ficou sem comer, mas pagaram uma consulta com um médico otorrino para saber o que tinha acontecido. Veio a triste noticia, Ana estava surda de um lado e em questão de tempo ficaria surda do outro lado. 
Que momento difícil para a família. 
Passaram-se cinco anos, e novamente Ana dormindo em sua rede, ao acordar não ouvia mais som algum, tudo ficou em silêncio absoluto. 
Foram muitas tentativas para uma adaptação, fez aula de língua de sinais e nada aprendeu, usou aparelho de amplificação sonora e nada de melhora. 
Então surgiu uma luz, uma amiga de sua filha trouxe uma noticia que mudaria sua forma de viver, a possibilidade do implante coclear.

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O implante coclear é um dispositivo eletrônico inserido cirurgicamente no ouvido interno, que substitui o órgão sensorial da audição localizado dentro da cóclea. Este órgão é conhecido como órgão de Corti, transforma a energia sonora em pulsos elétricos permitindo a estimulação da área do cérebro responsável pela audição e a sensação de percepção auditiva, como os sons do ambiente, especialmente os sons da fala. O dispositivo tem um microfone que capta os sons do ambiente e um processador que os transforma em sinais elétricos análogos, codificados em ondas sonoras de rádio frequência. Uma antena os transmite para um receptor-estimulador, que fica sob a pele, que os recebe, converte em sinais elétricos, e os transmite a filamentos de eletrodos que estimulam as fibras nervosas, gerando sensação auditiva. (texto retirado da minha dissertação de mestrado - orgulhosa!)
Ana submeteu-se à cirurgia do implante coclear em 17 de agosto de 2011, tendo o dispositivo ativado 1 mês depois. Conheci Ana em 11 de abril de 2012, tivemos nosso primeiro contato e a partir desse dia ela seria participante da minha pesquisa de mestrado. Não vou perder muito tempo explicando os detalhes da minha pesquisa, mas resumidamente o objetivo era estimular a audição através de relações entre sons e figuras e sons e palavras escritas, utilizei pseudopalavras para ensinar, isto é, palavras que não existem em nosso vocabulário e figuras abstratas para relacionar com estas palavras. Você pode ver na figura abaixo:


Bom, foram sete fases de ensino, e o ensino das relações que mostra a figura começou na terceira fase, e como esta fase foi difícil, e todos os dias Ana me questionava: "Você vai ter paciência comigo? eu não consigo aprender!", e todos os dias eu lhe dizia: "você vai aprender, é uma questão de treino, seu cérebro começará a reconhecer as figuras e associa-las a cada som, e então você relacionará cada uma delas bem facilmente, tenha paciência"

Para Ana aprender essas relações necessitou de 14 exposições, sendo que cada exposição tinha 24 oportunidades, fazendo uma conta rápida, foram 336 oportunidades, sendo 84 para cada som-figura!
O mais legal de acompanhar esse aprendizado é observar as técnicas de memorização que ela utilizou para discriminar cada um deles, ela dizia: "ah, o pafe é o verdinho! O duca é aquele que parecia uma prisão, mas os outros dois é muito difícil" 
Rapidamente aprendeu a relação de "pafe" e "duca", mas não estava conseguindo aprender "tiba" e "zigo" mesmo eles sendo tão diferentes, um bem preto e o outro muito colorido!
E assim foi ao longo de umas 7 sessões, acertando todas as oportunidades de "pafe" e "duca" e errando as oportunidades de "tiba" e "zigo". Em um certo dia, resolvi ajudá-la, e lhe diss: "Ana, você já percebeu que o "tiba" tem um T desenhado? Tiba começa com T, a figura parece ter um T desenhado, será que pensar assim facilita seu aprendizado?" Bingo!!!
Depois desse dia, Ana não errou mais, sempre que aparecia a figura do Tiba ela dizia: "esse tem um T" e respondia corretamente!

Todo mundo é capaz de aprender, é preciso dedicação, repetição e vontade!

Ana é um exemplo que uma pessoa que perdeu a audição de forma tão inesperada e tão assustadora, pode voltar a ouvir através do implante coclear, e pode aprender coisas novas através do som, da visão, do tato!!!
Parabéns Ana, que você seja muito feliz em seu caminho!! Obrigada por me fornecer dados tão bonitos e enriquecedores!

Seja muito feliz!




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